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A surpreendente e bela vida dos sapos-arlequim das montanhas da Colômbia

Os sapos-arlequim da Serra Nevada de Santa Marta estão fazendo algo que poucos outros sapos de alta altitude estão conseguindo: sobreviver

By Lindsay Renick Mayer on August 28, 2021   duration

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Na montanha costeira mais alta do mundo, em uma floresta tropical próspera com vegetação densa, em um lugar ainda intocado pela humanidade, o encontro mais transformador é com um animal que à primeira vista pode parecer nada notável:

Um sapo, marrom-claro com listras amarelo-claras em cada lado das costas, reconhecível pela falta da ponta de um dedo, empoleirado em uma grande folha, que se projeta em direção à terra ao sustentar seu peso.

Conhecido como 'El Viejito' ou 'velhinho' pelos pesquisadores que o viram em todas as viagens de monitoramento nos últimos 11 anos na Serra Nevada de Santa Marta, na Colômbia, este sapo-arlequim e todos os outros sapos da espécie Atelopus laetissimus são extraordinários. Ao contrário dos mais de 80% dos sapos-arlequim de grande altitude que estão ameaçados de extinção, os sapos desta espécie estão vivos e aparentemente bem aqui, neste lugar majestoso, quase 3 quilômetros acima do nível do mar. Eles parecem de alguma forma coexistir com o fungo quitrídeo mortal Batrachochytrium dendrobatidis (Bd), que dizimou espécies de anfíbios vivendo em grandes altitudes em outras partes da América Latina.

Fundación Atelopus has seen 'El Viejito' for 11 years now on their monitoring trips. (Photo courtesy of Fundación Atelopus)
Fundación Atelopus has seen 'El Viejito' for 11 years now on their monitoring trips. (Photo courtesy of Fundación Atelopus)

E não é apenas Atelopus laetissimus. Na Serra Nevada de Santa Marta existem mais três espécies de Atelopus (ou sapos-arlequim) de grande altitude: o sapo-arlequim-guajira (Atelopus carrikerri), o sapo-arlequim-san-lorenzo (Atelopus nahumae) e o sapo-arlequim-da-noite-estrelada (Atelopus arsyecue). Todas as quatro espécies parecem relativamente abundantes, embora o fato de suas populações serem de fato estáveis é um dos muitos mistérios que os pesquisadores estão tentando resolver.







Atelopus laetissimus is one of four harlequin toad species living in Colombia's Sierra Nevada de Santa Marta and somehow surviving with chytrid in the environment. (Photo by Jaime Culebras, Photo Wildlife Tours)

"É difícil dizer o que está acontecendo, e estamos vendo isso com outros anfíbios aqui também”, disse Beto Rueda, professor de herpetologia da Universidade de Magdalena e primeiro pesquisador que começou a monitorar 'El Viejito'. Todas as espécies da Serra Nevada de Santa Marta estão bem, embora o fungo quitrídeo esteja aqui. Não vimos mortalidade em massa. Os sapos-arlequim estão bem, as nossas pererecas-de-vidro estão bem, as nossas espécies de sapos-da-chuva estão bem. É estranho."







The Guajira Harlequin Toad in Colombia vanished for 14 years before it was rediscovered in Colombia's Sierra Nevada de Santa Marta. (Photo by Jaime Culebras/Photo Wildlife Tours)

Há muitas perguntas sobre por que essas quatro espécies parecem estar convivendo bem com a doença quitridiomicose, causada pelo fungo, em seu ambiente.

Será que essas montanhas são tão remotas que uma cepa mais mortal do patógeno ainda não chegou aqui, ou essas populações já foram duramente atingidas e agora estamos vendo os sapos depois que eles já se recuperaram?

Será que essas espécies desenvolveram algum tipo de defesa imunológica especial para sobreviver ao quitrídeo, ou têm propriedades antifúngicas especiais em suas bactérias naturais que as protegem?

Será que a prevalência da doença é baixa em seu ambiente e, se sim, será que há algo no ambiente que retarda a propagação da doença?

Será que a taxa de transmissão da doença é baixa o suficiente para ser superada pelas taxas reprodutivas dos sapos?

Será que existe algo de único na dinâmica entre esses sapos e o Bd?

Ou há algo na maneira como as comunidades indígenas estão gerenciando o habitat desses animais - terras que eles compartilham - que está dando aos sapos uma vantagem única?

Seja qual for a resposta, uma coisa é certa: algo está acontecendo na Serra Nevada de Santa Marta. E pode ser a chave para prevenir a extinção de outras espécies de sapo-arlequim na América Latina.

“Quando vamos para a Serra Nevada de Santa Marta, não vemos apenas um sapo-arlequim em particular aqui ou ali, mas dezenas deles, que pertencem a um dos gêneros de anfíbios mais ameaçados do mundo”, diz a Dra. Lina Valencia, fundadora da Iniciativa de Sobrevivência Atelopus, co-coordenadora da Força-Tarefa Atelopus do Grupo de Especialistas em Anfíbios da IUCN, e coordenadora de países andinos da Re:wild. “Por causa disso, os especialistas em sapos-arlequim acreditam que talvez a Serra Nevada de Santa Marta tenha a chave, que seja o Santo Graal, que talvez seja aqui que encontraremos as respostas que temos procurado.”

Será que as bactérias são a resposta?

Conservacionistas e pesquisadores vêm procurando respostas desde meados dos anos 80, quando o Bd começou a sua onda mortal em todo o mundo, incluindo as Américas do Sul e Central, Austrália e oeste dos Estados Unidos, chocando a todos que testemunharam as mortes súbitas e sem precedentes de anfíbios. Hoje, das 94 espécies de sapo-arlequim que foram avaliadas pela IUCN, 83% estão ameaçadas de extinção, e cerca de 40% das espécies de Atelopus desapareceram de seus habitats conhecidos e não foram mais vistas desde o início dos anos 2000, apesar dos muitos esforços para encontrá-las. Quatro espécies de sapo-arlequim já estão classificadas como extintas, de acordo com a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN, mas esse número é provavelmente maior.

Bacteria from the skin of the Elegant Harlequin Toad in Ecuador can kill Bd in a petri dish. (Photo by Jaime Culebras, Photo Wildlife Tours)
Bacteria from the skin of the Elegant Harlequin Toad in Ecuador can kill Bd in a petri dish. (Photo by Jaime Culebras, Photo Wildlife Tours)

Uma das pesquisadoras tentando determinar por que os sapos de Santa Marta parecem estar se saindo melhor é a Dra. Vicky Flechas. Em 2007, Flechas começou a trabalhar com sapos-arlequim nas terras baixas colombianas, na Ilha Gorgona. O que ela descobriu foi que o sapo-arlequim-elegante (Atelopus elegans) não estava se encaixando perfeitamente no entendimento geral de como o Bd afetava os sapos-arlequim das terras altas versus os sapos-arlequim das terras baixas. Os habitats das terras baixas são geralmente mais quentes, o que parece dar aos sapos que vivem lá uma vantagem distinta: o Bd é sensível a
temperaturas mais altas. Mas na pesquisa de Flechas, ela descobriu que os sapos arlequim-elegantes tinham uma prevalência surpreendentemente alta de Bd - mas ainda assim estavam sobrevivendo.

“No início, fiquei muito surpresa ao ver o que estava acontecendo em Gorgona”, diz Flechas. “Nunca imaginei que os Atelopus, tão suscetíveis e desaparecendo em toda a sua extensão, pudessem acabar coexistindo com esse patógeno.”

Foi descoberto que o sapo-arlequim-elegante tem bactérias antifúngicas em sua pele que matam o Bd em uma placa de Petri. Em 2018, Flechas trabalhou com a pesquisadora Maria Camila Llanos e o biólogo Beto Rueda, que redescobriu o sapo-arlequim-guajira em 2008, para ver se os sapos-arlequim de Santa Marta também tinham bactérias antifúngicas especiais que os protegiam. Os resultados preliminares mostram que existem algumas bactérias que podem estar auxiliando esses indivíduos, mas não houve nenhuma descoberta definitiva ainda.

José Luis Pérez González, a member of Fundación Atelopus, swabs a Guajira Harlequin Toad in the Sierra Nevada de Santa Marta. (Photo by Jaime Culebras/Photo Wildlife Tours)

“Embora tenhamos muitas dúvidas, o fato de essas espécies ainda persistirem na Serra Nevada de Santa Marta nos inspira a trabalhar para proteger as espécies e seus habitats”, diz José Luis Pérez González, biólogo da Fundación Atelopus, que lidera a pesquisa sobre e a conservação desses sapos. “Trabalhando diariamente com comunidades indígenas, agricultores, especialistas em meio ambiente, ONGs e pesquisadores afiliados, esperamos garantir que essas espécies possam viver em segurança em seu habitat na Serra Nevada de Santa Marta por muito tempo.”

Achados e perdidos

A noroeste da Colômbia, na Cordilheira da Costa, na Venezuela, outra pesquisadora fez uma descoberta igualmente surpreendente que expandiu muito a nossa compreensão sobre o fungo quitrídeo, mas também levantou mais perguntas. Dezessete anos após o último avistamento documentado do sapo-arlequim-veragua (Atelopus cruciger), uma pequena população foi redescoberta em 2003. A Dra. Margarita Lampo, pesquisadora do Instituto Venezuelano de Pesquisas Científicas, iniciou um programa de monitoramento em 2005, que envolveu uma viagem mensal de carro de três horas desde Caracas, uma hora de caminhada da cidade mais próxima e horas adicionais de busca, para medir e fotografar cada sapo que encontrava. Em 2007, sua equipe também começou a colher amostras de cada animal para testar a presença do Bd. O sapo-arlequim-veragua é altamente vulnerável à quitridiomicose - sapos infectados morrem dentro de algumas semanas de exposição ao fungo.

The Rancho Grande Harlequin was rediscovered in 2003 after there hadn't been a single scientific documentation of the species in 17 years. (Photo by Margarita Lampo)
The Rancho Grande Harlequin was rediscovered in 2003 after there hadn't been a single scientific documentation of the species in 17 years. (Photo by Margarita Lampo)

Em 2014, depois de um dos mais longos experimentos de marcação e recaptura já realizados em uma população de sapos, o trabalho valeu a pena. Lampo descobriu que não era uma bactéria antifúngica que permitia a sobrevivência dos sapos nem a altitude em que vivem. Em vez disso, a transmissão do Bd era baixa, enquanto a taxa reprodutiva (recrutamento) da espécie, que atualmente vive entre 220 e 640 metros acima do nível do mar, ultrapassava as mortes causadas pela doença. O sapo-arlequim-veragua é a única espécie de Atelopus documentada na Venezuela desde 2008.

“Se o recrutamento de juvenis saudáveis for alto o suficiente para compensar a perda de indivíduos infectados, a população pode estabelecer um equilíbrio”, diz Lampo. “Isso foi exatamente o que descobrimos. O número de indivíduos recém-recrutados é quase tão alto quanto o número de sapos adultos na população. Agora precisamos descobrir: as taxas de transmissão na Serra Nevada de Santa Marta são baixas mas o recrutamento é alto, ou essas espécies são resistentes ao Bd, ao contrário do que ocorre com o sapo-arlequim-veragua?"

The Rancho Grande Harlequin Toad is highly vulnerable to chytridiomycosis, but thanks to high reproductive rates, the species persists. (Photo by Manuel Guerreiro)
The Rancho Grande Harlequin Toad is highly vulnerable to chytridiomycosis, but thanks to high reproductive rates, the species persists. (Photo by Manuel Guerreiro)

Outra questão importante que Lampo espera responder é: quais outras ameaças podem afetar o sucesso reprodutivo desses sapos? A destruição do habitat, a poluição e a crise climática podem resultar em menos girinos para reabastecer a população.

“Se o recrutamento for reduzido, a população pode entrar em colapso mesmo com baixas taxas de transmissão do fungo”, diz Lampo. “Portanto, outro elemento-chave que precisamos entender é como a temperatura e as secas afetam as taxas de recrutamento.”

Vivendo a boa vida

De acordo com a Dra. Cori Richards-Zawacki, professora de Ciências Biológicas da Universidade de Pittsburgh, nos EUA, os sapos-arlequim de grande altitude que temíamos que tivessem desaparecido estão de alguma forma começando a voltar. Isso inclui o sapo-arlequim-variável (Atelopus varius), que Richards-Zawacki rediscobriu nas montanhas do Panamá em 2012 com sua colega bióloga Dr. Jamie Voyles.

Richards-Zawacki in historic golden frog habitat. (Photo by Brian Gratwicke, Smithsonian Conservation Biology Institute)
Richards-Zawacki in historic golden frog habitat. (Photo by Brian Gratwicke, Smithsonian Conservation Biology Institute)

“A elevação foi um grande indicador de onde veríamos esses declínios acontecerem quando o patógeno invadisse comunidades de hospedeiros "virgens", diz Richards-Zawacki. “Portanto, inicialmente a elevação era a coisa mais importante para saber onde teríamos esses surtos de doenças e declínios, até mesmo extinções. Mas estou otimista agora, pois o que estamos vendo é que esses sapos de alta altitude estão encontrando um caminho, de uma forma ou de outra. Citando Jurassic Park, ‘a vida está encontrando um
caminho’”.

Em 2018, Richards-Zawacki e Voyles publicaram um artigo sobre a descoberta de que nove das 12 espécies de anfíbios que elas estudaram, que aparentemente desapareceram como resultado do quitrídeo, estão se recuperando, incluindo o sapo-arlequim-variável. No entanto, o patógeno ainda estava presente e tão forte quanto há uma década. Os resultados sugerem que embora o patógeno não tenha mudado, os anfíbios começaram a desenvolver melhores defesas para combater a doença.

The Variable Harlequin Toad had seemingly vanished from its home in Panama, until Dr. Cori Richards-Zawacki and Dr. Jamie Voyles found a small population in 2021. (Photo courtesy of Dr. Cori Richards-Zawacki and Dr. Jamie Voyles)
The Variable Harlequin Toad had seemingly vanished from its home in Panama, until Dr. Cori Richards-Zawacki and Dr. Jamie Voyles found a small population in 2021. (Photo courtesy of Dr. Cori Richards-Zawacki and Dr. Jamie Voyles)

Os cientistas não têm certeza se essas defesas estão relacionadas a uma mudança nos peptídeos antimicrobianos no muco dos animais, ou às comunidades bacterianas na pele dos sapos, ou à "ativação" de genes específicos relacionados ao sistema imunológico dos animais. Nem têm certeza se é isso que está acontecendo com os sapos da Serra Nevada de Santa Marta. A Dra. Vicky Flechas pretende determinar quando o Bd chegou pela primeira vez na Serra Nevada de Santa Marta observando espécimes de museu, o que poderia ajudar a determinar se as populações que vivem lá hoje estão se recuperando com uma dessas novas defesas após uma queda populacional anos atrás.

“Estou muito animada para saber o que está sendo descoberto na Colômbia”, diz Richards-Zawacki. “Vimos algo semelhante no Panamá, mas é ainda melhor saber sobre essas espécies com pequenas distribuições que vivem no meio do nada. As chances de eles sobreviverem a isso eram provavelmente ainda menores, por isso é incrível que tenham sobrevivido.”

O futuro do El Viejito

Pela primeira vez, uma nova rede de conservacionistas espalhados pelas Américas do Sul e Central está reunindo recursos e experiência para descobrir coletivamente não apenas o que está acontecendo na Serra Nevada de Santa Marta, mas também como resolver alguns dos mistérios mais amplos em torno do quitrídeo. Tudo isso ao mesmo tempo em que protege os sapos-arlequim de outras ameaças importantes em todos os lugares em que vivem: destruição e degradação do habitat, introdução de espécies invasoras como a truta-arco-íris, coleta ilegal para o comércio de animais de estimação, poluição e os efeitos das mudanças climáticas.

Fundación Atelopus is working with the Indigenous Arhuaco communities to combine scientific and Indigenous knowledge to best protect the Starry Night Harlequin Toad.
Fundación Atelopus is working with the Indigenous Arhuaco communities to combine scientific and Indigenous knowledge to best protect the Starry Night Harlequin Toad.

E embora a Iniciativa de Sobrevivência Atelopus enfrente uma série de grandes desafios para evitar a perda de mais espécies de sapo-arlequim, El Viejito e seus amigos ainda estão resistindo, mesmo contra todas as probabilidades.

“Quando vi El Viejito pela primeira vez, era de noite, com uma linda lua, todos os sons dos animais, desses lindos sapos, e de uma cachoeira”, diz Valencia. “Foi incrível, certamente do ponto de vista biológico, vivenciar essa beleza natural. E do ponto de vista da conservação, foi um momento realmente maravilhoso, em que sentimos que podemos fazer isso, podemos salvar este grupo de anfíbios. Há esperança."

About the author

Lindsay Renick Mayer

Lindsay is the Director of Media Relations for Re:wild and has a particular interest in leveraging communications to inspire conservation action. Lindsay is passionate about species-based conservation and finding compelling ways to tell stories that demonstrate the value of all of the planet’s critters, big and microscopic.

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